07.07.1931 | Estruturas das psicoses paranoicas

Structures des psychoses paranoïaques ]

Artigo publicado por Jacques Lacan, em 7 julho de 1931, na revista La Semaine des Hôpitaux de Paris — periódico fundado pela Associação de Ensino Médico dos Hospitais de Paris e veiculado entre os anos de 1925 e 1999.

 

La Semaine des Hôpitaux de Paris, n. 14, julho de 1931, pp. 437-445.

Republicado em: Ornicar?, 1988, n. 44, pp. 5-18.

Histórico do grupo e objetivo deste Estudo

A concepção de “paranoia” — que, ao mesmo tempo, herdava velhas monomanias e fundamentos somáticos da noção de “degenerescência” — agrupava em si estados psicopáticos certamente muito diversos. No entanto, ela tinha a vantagem de evocar um terreno, base não psicogênica de todos esses estados. Mas os progressos da clínica — Kraepelin,[1] os italianos,[2] Sérieux[3] e Capgras[4] — isolaram-na, sucessivamente, dos estados paranoides ligados à demência precoce; das psicoses alucinatórias crônicas; enfim, dessas formas mais ou menos transitórias de delírios que constituem a paranoia aguda e que devem integrar quadros diversos, desde as rajadas delirantes[5] polimorfas até os estados pré-demenciais, passando pela confusão mental.

Assim reduzida, a paranoia tende a se confundir, hoje em dia, com uma noção de caráter, que incita, ao que parece, uma dedução que se poderia tentar a partir do jogo psicológico normal.

É contra essa tendência que ensaiaremos agrupar aqui algumas reflexões.

Nós o faremos com base na noção puramente fenomenológica de estrutura dos estados delirantes. Essa noção nos parece crítica:

Do ponto de vista nosográfico, primeiramente.

Apreende-se aí, com efeito, a descontinuidade em relação à psicologia normal, e a descontinuidade desses estados entre si; estados que, com o professor Claude[6] — que os aproximou, novamente, dos estados paranoides para melhor defini-los —, designamos com o nome de “psicoses paranoicas”.

Do ponto de vista diagnóstico.

As psicopatias, com efeito, mesmo as mais limítrofes ao jogo psíquico normal, não revelam, no agrupamento de seus sintomas, um rigor menor do que as outras síndromes da patologia. Não se teria como analisá-las muito de perto. Pois é precisamente a atipicidade de um caso dado que deve nos aclarar sobre o seu caráter sintomático, e nos permitir detectar uma afecção neurológica rudimentar; prever uma evolução demencial; transformar, assim, o prognóstico de um delírio cujo quadro nosográfico essencial é a cronicidade sem a demência.

Do ponto de vista médico-legal.

Essas estruturas parecem, conforme o caso, irredutíveis ou solúveis. E isso deve guiar a profilaxia social que cabe ao psiquiatra através das medidas de internação.

Desses três pontos de vista, sucessivamente, estudaremos três tipos de psicoses paranoicas:

a “constituição paranoica”;
o delírio de interpretação;
os delírios passionais.

A “constituição paranoica”

As características de um delírio já se mostram aqui. Essencialmente ideativas nas antigas descrições, elas encontram sua base, para os psiquiatras modernos, na noção de “distúrbio da afetividade”. Esse último termo não parece dever se limitar à vida emocional ou passional. (438) E a noção de “reação às situações vitais[7] — recente em biologia e rapidamente adotada pela psiquiatria — nos parece, por si só, compreensiva o bastante para prestar contas dessa estampagem evolutiva total sobre a pessoa, que o emprego que se faz desse termo sempre lhe atribui.[8]

Seja como for, a constituição paranoica se caracteriza certamente:

– por atitudes intrínsecas do sujeito para com o mundo exterior;
– por blocos ideicos cujos desvios específicos puderam dar a certos autores a ideia de uma espécie de neoplasia[9] ou de disgenesia[10] intelectual — fórmula que tem seu valor clínico ao refletir justamente o matiz do temperamento paranoico;
– por reações do meio social, finalmente — as quais não oferecem uma imagem menos fiel sua.

Foram descritos quatro sinais cardinais, os quais retomaremos.

1 | Superestimação patológica de si.

Trata-se de um desequilíbrio nas relações de valor, mais ou menos implicitamente estabelecidas a cada instante da vida de todo e qualquer sujeito, entre o eu e o mundo.

E de um desequilíbrio unilateral e constante no sentido da satisfação de si.

As manifestações escalonam-se do orgulho vagamente larvado à vaidade, muito mais frequente e degenerando facilmente em cabotinismo.

Montassut[11] parece insistir na nota de distúrbio intelectual, aproximando essa atitude fundamental dos desconhecimentos sistemáticos — aqui, desconhecimento da seguinte equação:[12]

| Desconfiança

É a mesma atitude refletida nas relações de fato com o mundo.

Basal, ela é — se assim podemos dizer — o negativo de um delírio, o molde totalmente preparado que se abre pela dúvida, onde se precipitarão os surtos emocionais e de ansiedade; onde se cristalizarão as intuições, as interpretações; onde o delírio vai se solidificar.

3 | Falsidade do julgamento

Esse caráter preformado, primário, da personalidade inclinará todos os julgamentos para um sistema. Ele próprio é, para dizer a verdade, uma forma de paragem, não evoluída, do julgamento.

Acrescenta-se ainda uma espécie de transbordamento, de virulência da função lógica. Perdendo-se incessantemente em sofismas e paralogismos, esses sujeitos — conforme uma feliz expressão — professam um “amor infeliz pela lógica”.

Entre esses loucos raciocinantes (Sérieux e Capgras)[13] estabelece-se toda uma hierarquia, desde o débil com construções absurdas até o teórico, autodidata ou cultivado, que transita confortavelmente pelas ideias abstratas. Este inclusive pode encontrar, dentro dos limites secretos de seu horizonte mental, os elementos de certo sucesso: uma aparência de rigor, uma atração particular por concepções intrinsecamente rudimentares, a possibilidade de afirmar obstinadamente e sem variar. Ele pode se tornar — se a sorte o puser na sequência dos acontecimentos — um reformador da sociedade, da sensibilidade, um “grande intelectual”.

4 | Inadaptabilidade social

Assim constituído, o paranoico carece de toda e qualquer maleabilidade vital, de toda e qualquer simpatia psicológica. Mesmo nos casos venturosos, em que o sucesso coroa as suas tendências, ele não sabe se servir disso para a sua felicidade.

Na realidade, incapaz de se submeter a uma disciplina coletiva, mais ainda a um espírito de grupo, o paranoico — ainda que chegue, raramente, a tomar a linha de frente — é (439) quase sempre um outlaw:[14] aluno punido e odiado, mau soldado, rejeitado em todos os lugares.

A ambiguidade da sua situação moral deve-se ao fato de necessitar desses julgamentos dos outros que ele regularmente fracassa em conquistar, ao fato de ter sede de ser apreciado e de toda apreciação humilhá-lo.

Longe de ser um esquizoide, ele adere à realidade de forma estrita, tão estrita que sofre cruelmente com isso. Nas relações sociais, saberá, no mais alto grau, colocar em relevo essas virtualidades hostis, que são um de seus componentes. Nada igualará seu faro para detectar o menor dos vestígios dessas virtualidades; tampouco nada igualará — por uma reação interpsicológica que não se pode negligenciar — a sua falta de jeito para reforçar, com a atitude, a eficácia delas.

Como se vê, com essas diversas características atinge-se uma realidade única cujas diversas manifestações encontram-se estritamente vinculadas. Trata-se, aí, das quatro faces de um mesmo quadrado. No centro está essa psicorrigidez, que Montassut[15] realçou com justeza:

psíquica, dada, desde a primeira abordagem, pelo contato com o sujeito (Empfindungsdiagnose).[16] Estênico, argumentador, expansivo ou revoltado e reticente, é justamente como irredutível que ele se revela. Se o seu círculo pessoal e os ingênuos só se dão conta disso à sua própria custa, a experiência do psiquiatra não se engana;

motora, como bem revela a postura tão especial do personagem — a nuca dura; o tronco movido como se fosse uma peça só; o andar desajeitado; a própria escrita (especial, para além de toda característica delirante).

Sinais acessórios. A partir dessas premissas, entram mais facilmente na dedução psicológica normal, na psicologia de relação comum, algumas manifestações adventícias que podem ser interessantes para a detecção desses sujeitos.

Há as que são favoráveis: uma honestidade quase constante; um senso de honra que não se traduz somente em excessos de suscetibilidade, ainda que favoreça o ressentimento e aquilo que o século XVIII chamava de “pique”.

De uma forma geral, sua respeitabilidade é indiscutível: são estimados pelos porteiros.

Veem-se autodidatas entre eles; e concebe-se facilmente como o autodidatismo, em suas características mais desagradáveis, encontra ali seu terreno escolhido.

Todos os modos de compensação são familiares a esses sujeitos: a revolta mais ou menos escancarada, o apelo à posteridade, as atitudes do solitário.

Não raro encontra-se neles um amor pela natureza, na qual esses sujeitos realmente encontram uma livre expansão deles próprios, uma libertação panteística — ousaremos dizer — de um delírio mais ou menos formado.

Citaremos, por fim, esse tipo de “idealistas apaixonados” retratado por Dide.[17]

Parece-nos, no entanto, ser preciso que nos detenhamos aquém do jogo imaginativo e das reações que o termo “bovarismo” — tomado aqui num sentido clínico — designaria na vida normal.[18]

O delírio de interpretação

Magistralmente descrito por Sérieux e Capgras, é a segunda variedade delirante que encontramos entre as síndromes paranoicas. É também um segundo grau no índice de delírio no qual se poderia situar os delírios em função do real. Ele é o positivo, a escultura tirada do molde constituído pelo estado de desconfiança, precisado como dúvida, da forma precedente.

Valendo-se dos “complexos afetivos”, dos “resíduos empíricos” e da “lógica afetiva”, Dromard[19] (no Journal de Psychologie)[20] (440) desenhou a curva que vai do caráter à convicção delirante. Não chegou a preencher, assim, o fosso que separa as duas estruturas. Ademais, a clínica não nos mostra esses mecanismos. Antes mesmo, sob a influência de alguma causa desencadeadora frequentemente oculta — às vezes representada por um episódio tóxico, uma doença intercorrente, um trauma emocional —, produz-se uma espécie de precipitação de elementos significativos, impregnando, de imediato, um punhado de incidentes que o acaso oferece ao sujeito e cujo alcance, para ele, encontra-se repentinamente transfigurado.

É aquele homem que observa que certos gestos na rua significam que o estão seguindo, que o estão espiando, que estão adivinhando seus passos, que o estão ameaçando. A depender da posição social, o vizinho da esquina, as pessoas que batem papo nas janelas, a moça da portaria, o colega de escritório, o chefe ou o subordinado hierárquico desempenham um papel maior ou menor.

O delírio de interpretação é um delírio da esquina, da rua, da praça.

Essas interpretações são múltiplas, extensivas, repetidas. Todos os incidentes cotidianos e os acontecimentos públicos podem chegar a se relacionar com elas. E conforme a amplitude de informação do sujeito, eles,  de fato, chegam.

Seja qual for a extensão dessas interpretações, elas são centrípetas, estritamente polarizadas no sujeito.

Elas podem ser igualmente endógenas, isto é, fundamentar-se nas sensações cenestésicas,[21] quer se trate de sensações anormais — de origem orgânica ou neuropática —, ou simplesmente de sensações normais que a atenção recém-reorientada do sujeito faz com que lhe pareçam novas.

O ponto essencial da estrutura delirante nos parece ser o seguinte: faz-se a interpretação de uma série de dados primários quase intuitivos, quase obsessivos, que não ordena primitivamente — nem por seleção, nem por agrupamento — nenhuma organização raciocinante. Temos aí, como se disse, “um anelídio, não um vertebrado”.[22]

É a partir desses “dados imediatos” específicos que cumpre à faculdade dialética entrar em jogo. Por mais propícia aos desvios lógicos que a estrutura paranoica a suponha, não é sem esforço que ela organiza esse delírio; e parece que padece dele bem mais do que o constrói. Ela é versada, o mais frequentemente, numa construção cuja complicação ruma para uma espécie de absurdidade tanto por sua extensão quanto por suas deficiências lógicas. Às vezes o seu caráter impossível de sustentar é sentido pelo sujeito, apesar de sua convicção pessoal — que não consegue se destacar dos fatos elementares.

Coisa singular, com efeito, da qual o sujeito não vislumbra dar-se conta, essas ameaças — que se tornam a própria trama da vida do sujeito — têm um caráter puramente demonstrativo; elas não passam ao ato. Seja qual for sua gravidade, são de uma ineficiência notável. Por outro lado, se a amplitude dos meios empregados e seu caráter quase ubiquista impõem ao doente a ideia de que uma coletividade (como a polícia, os maçons ou os jesuítas) é seu instrumento, ele não hesita, no entanto, a relacionar uma conduta, como a provocação dos seus males, a uma personalidade exígua, bem próxima e bem conhecida dele.

Também é preciso frisar que, apesar da insistência, do caráter insuportável, da crueldade dessas perseguições, a reação do doente frequentemente tarda — às vezes permanece nula por muito tempo. É preciso não se apressar em falar de “convicção” num sentido demasiadamente rigoroso, assim como também não se deve reforçar suas bases através de um canhestro interrogatório. Parece se tratar, com frequência, de uma espécie de construção justificativa, de um mínimo de racionalização (441) sem o qual o doente não teria como expor suas certezas primárias. A estrutura lógica será, evidentemente, proporcional à validade intelectual, à cultura do doente. Essa é a base interpretativa que o exame deve desnudar e que fundamentará o diagnóstico.

Resumamos as suas características:

Extensão circular, em rede, das interpretações;
Complexidade e caráter difuso do delírio;
Emoção e reatividade relativamente desproporcionais para menos;
Cronicidade: o delírio se enriquece na mesma medida da matéria que a sua experiência cotidiana oferece ao doente. Inversamente, o caráter reduzido e torpe — que ele assume, o mais frequentemente, após estada em ambiente manicomial — origina-se, para além de uma possível diminuição intelectual, da própria rarefação desses elementos basais.

Os delírios passionais

Bem diferentes dos anteriores e situados num outro registro, esses delírios devem ao estado de estenia maníaca que os subjaz terem sido aproximados, por Clérambault,[23] deste estado emocional crônico no qual se quis definir a paixão. É por sua segunda característica, constante, a ideia prevalente, que eles entram no quadro etimológico da paranoia e encontram seu lugar em nosso estudo das estruturas delirantes.

Frequentes em sujeitos impulsivos, degenerados, amorais ou perversos, repletos de taras psicopáticas pessoais ou hereditárias diversas, esses delírios surgem episodicamente num terreno de constituição paranoico.

Clérambault os distingue em três formas:

– o delírio de reivindicação — que Sérieux e Capgras já haviam isolado do delírio de interpretação;
– a erotomania;
– o delírio de ciúmes.

Eles apresentam apenas semelhanças grosseiras com os delírios de interpretação, mesmo com aqueles em que prevaleceriam as reações tumultuosas, o conteúdo ciumento.

A análise deles mostra, com efeito, em sua base — em vez de interpretações difusas —, um acontecimento inicial portador de uma carga emocional desproporcional.

A partir desse acontecimento, desenvolve-se um delírio que vai se ampliando, decerto, e pode se alimentar de interpretações, mas somente no ângulo aberto pelo acontecimento inicial: delírio setorizado, pode-se dizer, e não em rede. Assim selecionados na origem, os elementos do delírio são ainda agrupados de forma concêntrica, organizam-se na forma de bons argumentos, apresentam uma virulência que não conhece aplacamento.

Eles são sustentados por um estado estênico eminentemente próprio à passagem ao ato.

Essa passagem ao ato, quando se formula, assume o caráter de uma impulsão obsedante, impulsão que tem a seguinte particularidade — mostrada por H. Claude[24] — de estar integrada, pela metade, à personalidade na forma da ideia prevalente.

Tal como noutras impulsões-obsessões, o ato alivia o sujeito da pressão da ideia parasita; assim, após diversas hesitações, a realização do ato põe fim ao delírio — cuja base de impulsividade degenerativa assim se revela, justamente.

Assim se apresentam esses quérulos verdadeiramente incansáveis que entram com intermináveis processos, vão indo de apelação em apelação; que, na falta de poder atacar o próprio juiz de modo eficaz, vão atrás dos especialistas comprometidos com essas questões. Eles assolam, com diatribes, autoridades e público; se necessário, fazem um gesto simbólico destinado a atrair para eles a atenção das autoridades.

Se, ademais, esses sujeitos são paranoicos, encontram — nos próprios defeitos de sua lógica, exímia em exercícios puramente formais — recursos incríveis para descobrir os meandros e agudezas que as brenhas judiciárias lhes oferecem.

No limite desses delírios encontram-se os assassinos políticos, magnicidas, que passam anos lutando (442) contra seu projeto homicida antes de consumá-lo.[25]

Ou ainda o assassino de médicos, do tipo que se reivindica hipocondríaco.

É com os mesmos caracteres essenciais que se definirá como delírio o ciúme do ciumento, ainda que os fatos o legitimem.

Nunca, em todos esses casos, a interpretação será forçada. Não a vemos situar-se no pequeno fato (transformado, ele próprio, quanto à sua significação), mas, sim, num fato tomado num sentido exemplar: a injustiça geral, que passa a ser a lei — ou, ao contrário, da justiça que é feita para todos, exceto para o sujeito —; a flexibilização geral da moral etc.

Igualmente, no hipocondríaco, agressor de médicos, não é o mal-estar cenestopático[26] que será atribuído à influência mais ou menos misteriosa do médico — como faria o interpretador[27] —, mas justamente o fato de não tê-lo curado, razão pela qual será preciso castigá-lo duramente.

Não obstante, a perturbação paranoica, no sentido etimológico, é sentida na própria ordenação do delírio; e isso não somente em suas reações — que, desproporcionais aos danos que as motivam, justificam, no mais alto grau, a expressão “delírio de atos e de sentimentos” —, mas também na própria organização ideica dos delírios.

Isso foi admiravelmente evidenciado por Clérambault no segundo delírio do grupo: a erotomania.

Delírio erotomaníaco de Clérambault

Essa organização ideica “paradoxal”, que traduz a hipertrofia patológica de um estado passional crônico, passa por três fases:

euforia;
despeito;
rancor.

Ela repousa num certo número de postulados:

– sendo o objeto escolhido quase sempre, de alguma forma, socialmente superior ao sujeito, a iniciativa vem do objeto;
– o próprio sucesso do amor é indispensável à perfeição do objeto;
– o objeto está livre para consumar esse amor, não sendo mais válidos os seus engajamentos anteriores;
– uma simpatia universal é vinculada às peripécias e ao sucesso desse amor.

Esses postulados desenvolvem-se, à prova dos fatos, em concepções sobre a conduta paradoxal do objeto, a qual se encontra sempre explicada, seja pela indignidade ou pela falta de jeito do sujeito — que não passa de uma cilada da sua convicção —; seja por alguma outra causa, como timidez, dúvida do objeto, influência externa exercendo-se sobre ele, gosto por impor provações ao sujeito.

Essas concepções primárias organizam todo o delírio e serão encontradas em todos os seus desenvolvimentos. O que podem ter de difuso e de complicado só concerne às explicações secundárias relativas aos obstáculos erigidos no caminho que une o sujeito ao objeto. Por trás desse cenário, reencontraremos a solidez dos postulados fundamentais; e mesmo nos estágios ulteriores, de despeito e de rancor, persistirá a tríade:

Orgulho;
Desejo;
Esperança.

Para evidenciá-los, é preciso menos interrogar do que manobrar o sujeito. Então se fará brotar a esperança que ainda persiste, o desejo muito menos platônico do que pretenderam os antigos autores, a procura inextinguível.

Prognóstico e diagnóstico

O grupo das psicoses paranoicas define-se por sua integridade intelectual, para além das perturbações estruturais precisas do delírio.

(443) Tudo que os testes podem revelar sobre a atenção, a memória, as provas forçosamente grosseiras que dizem respeito ao julgamento e às funções lógicas mostra-se, nesses sujeitos, normal.

A evolução, por outro lado, é crônica sem demência.

O delírio é irredutível na estrutura paranoica e o delírio de interpretação reaparecerá também fora do manicômio, apesar das alterações — superficiais e, aliás, o mais frequentemente, à base de dissimulação — que ele pode apresentar.

Ao contrário, ele parece solúvel — mas da forma mais temível — nos delírios passionais, que o ato criminoso estingue e sacia. Isso é verdade, em geral, apesar de alguns casos de delírio erotomaníaco, recidivando num segundo objeto, que puderam ser citados no último congresso de medicina legal.[28]

Vê-se a importância de um diagnóstico exato. Ele será fundamentado nos sinais positivos que nós descrevemos.

Muito frequentemente o delirante, antes de consumar os atos delituosos, se fará notar pelas autoridades por meio de uma série de queixas, de escritos, de cartas de ameaças.

A medida de internação é, então, muito delicada de se tomar e deve fundamentar-se essencialmente na noção de “delírio”.

Os escritos são documentos muito preciosos. Deve-se recolhê-los cuidadosamente, desde o momento da entrada no manicômio — momento em que o doente está numa exaltação estênica favorável e no qual ele ainda não se habituou à reticência sob a influência do seu novo meio.

Uns e outros desses doentes abundam em escritos. Os dos interpretadores serão os menos ricos em particularidades caligráficas, diferença de tamanho das letras, palavras sublinhadas, disposições dos parágrafos — que, ao contrário, abundarão nos escritos dos passionais.[29]

O inquérito social deverá ser cuidadosamente realizado.

Não nos estenderemos aqui sobre o diagnóstico com os grandes grupos vizinhos: da psicose paranoide, de um lado — sobre o qual Henri Ey estende-se aqui mesmo —; das síndromes de ação externa,[30] de outro.

Notamos o contato afetivo tão especial desses sujeitos psicorrígidos. De Clérambault bem apontou sua oposição com a expansão reconhecedora do alucinado crônico, que pode, enfim, explicar seu caso.

Buscaremos, segundo um método estrito, os fenômenos típicos do automatismo mental: eco dos atos, do pensamento, da leitura, fenômenos negativos etc.

Tampouco podemos insistir no diagnóstico com as parafrenias[31] vizinhas e o delírio de imaginação, que, parentes do nosso grupo pela ausência de distúrbio da lógica elementar, apresentam caráteres diferentes:

– mais descentrado, mais romanesco, com certa unidade de ordem estética, no delírio de imaginação puro;
– marcado por temas de filiação fantástica, de retorno periódico, de repetição dos mesmos eventos, em certas parafrenias;
– assumindo noutros casos, por fim, uma feição de egocentrismo monstruoso, de absorção do mundo no eu, que lhes confere uma feição quase metafísica.

Isso seria revisar toda a classificação dos delírios.

Aquilo que queremos enfatizar é o caráter rigoroso desses tipos delirantes.

Toda alteração do tipo do delírio de interpretação deve nos fazer pensar nos estados interpretativos agudos[32] que podem ser sintomáticos de uma confusão mental; de um começo de paralisia geral; de um alcoolismo subagudo; de uma psicose alucinatória crônica; de uma involução pré-senil; de uma melancolia (com seu delírio de autoacusação tão diferente, (444) centrífugo, resignado, versando sobre o passado); de uma rajada delirante (dita “dos degenerados”); enfim, de uma demência paranoide em evolução — cada um desses estados tendo um alcance prognóstico e terapêutico totalmente diferente.

De igual maneira, num delírio passional, uma erotomania, toda discordância na estrutura afetiva, toda diminuição das reações estênicas deve fazer pensar num delírio sintomático de uma demência precoce, de um tumor cerebral, de uma sífilis em evolução.

Reações médico-legais e internação

Das mais frequentes, essas reações colocam os problemas mais difíceis ao alienista; elas estão na base da inadaptabilidade social e da falsidade do julgamento.

Revolta crônica contra o regimento. São esses tipos de revolta inflexível que fazem com que se seja mandado para os batalhões da África após terem se esgotado todas as sanções disciplinares.

O escândalo é o forte desses sujeitos: o gesto simbólico do anarquista, o complô contra a segurança do Estado — fadado ao fracasso, aliás, por conta do desequilíbrio de suas concepções.

Geralmente honesto em seus contratos, o paranoico, se é levado a roubar, o é por um altruísmo que não passa de uma forma larvada da hipertrofia do seu eu, ou justamente pela aplicação raciocinante das suas teorias sociais.

Propagandista, ele pavoneia até no tribunal — onde pensa mais no efeito que vai causar do que em seu próprio destino —; por causa disso, pode ser um exemplo eminentemente contagioso.

A reação mortífera é o caso que se apresenta o mais frequentemente e centra todo o problema que se oferece ao alienista.

Ela advém, a saber, do próprio terreno: como nos assassinos justiceiros, assassinos políticos ou místicos que meditam friamente seu golpe durante anos e, quando este é realizado, deixam-se prender sem resistência, declarando-se satisfeitos por terem feito justiça.

O delírio de interpretação constituída entra mais frequentemente em jogo. É uma reação dirigida num ponto qualquer da rede que abrange a vida do sujeito. Ela é, de fato, um assunto eminentemente perigoso. Às vezes trata-se apenas de violências, gestos de advertência aos perseguidores.

O delírio passional, por fim, é inteiramente orientado para o ato e passa a ele de forma eficaz. Este é frequentemente determinado por um paroxismo emocional e ansioso. Observemos o crime familiar da madrasta assassina etc.

A reação suicida é encontrada no interpretativo.

Observemos ainda, nele, as suas fugas particulares, inspiradas por essa curiosidade que, por vezes, dá ao seu delírio um tom tão especial: “Até onde vão me perseguir?”.

Antes de chegar a essas reações, o paranoico sinaliza com queixas à delegacia, cartas ao Procurador da República, ameaças aos particulares que permitem sua detecção, mas colocam à intervenção médica e policial problemas muito difíceis.

São esses delirantes e esses paranoicos que constituem a maioria daqueles casos de “internação arbitrária” que comovem a opinião pública. Eles podem se destacar como agitadores.

A integridade intelectual e a relativa adaptação desses sujeitos; a redução de seus distúrbios no manicômio, difícil de distinguir de suas reticências atinadas, colocam os mais delicados problemas.

Pode-se admitir os seguintes princípios:

Todo paranoico delirante deve ser internado.

No manicômio, suas protestações devem ser comunicadas sem exceção e regularmente às autoridades administrativas competentes. Em contrapartida, deve fica o mais separado possível de toda e qualquer pessoa incapaz de julgar com sanidade o estado psicológico do sujeito.

Quando se está em presença de atos delituosos, o especialista deve levar em conta o fato de que se trata de sujeitos muito mais dificilmente intimidáveis que os outros. A responsabilidade (445) atenuada parece, então, o pior partido a ser tomado.

Ou é preciso deixar a justiça seguir seu curso, ou declarar a internação, deixando a possibilidade ao doente de apelar ao tribunal.

De igual maneira, em presença de jovens insubmissos do serviço militar, há interesse — diante do fracasso certeiro da escala crescente das penas disciplinares — em conduzir o quanto antes esses doentes à Justiça Militar, que pode, por sua vez, procurar o psiquiatra.

Atualmente, com relação a esses sujeitos, carecemos de meio de preservação social adaptado.

Gênese e profilaxia das psicoses paranoicas

O termo “constituição paranoica” justifica-se pela fixação precoce de uma estrutura. Essa fixação, que aparece clinicamente dos anos da segunda infância até a puberdade, pode se manifestar por completo a partir dos sete anos de idade — às vezes, só se revela depois dos vinte.

É aos anos da primeira infância, e muito especialmente no estágio primário — dito “narcísico” ou “oral” — da afetividade, que os psicanalistas fazem remontar as causas determinantes.

A influência exercida pelo meio familiar, quando do despertar das primeiras noções raciocinantes, não pareceu menos importante a observadores atentos.

E para a escola americana (Allen),[33] o inquérito social cuidadoso revelaria, ainda no lar, alguma anomalia nas relações da criança observada com o seu círculo próximo: a influência de uma madrasta ou de um padrasto; intimidação ou simples predominância de um irmão ou de uma irmã; preferências afetivas ofensivas; sanções canhestras.

O tipo emocional do sujeito, particularmente o bem isolado do emotivo inibido, que repousa em bases neurovegetativas, seria particularmente favorável à eclosão da constituição.

Observou-se entre os paranoicos internados (2% dos doentes — e sobretudo homens, segundo Kraepelin) uma hereditariedade neuropática bastante intensa, 70%. A dificuldade em fazer, com os paranoicos, uma estatística de conjunto nos incita à reserva. Notemos, aqui, a ausência, nesses estados, de sinais somáticos clássicos ditos “de degenerescência”.

Para o delírio de interpretação, a que causas desencadeadoras atribuir seu surgimento num terreno predisposto? Às vezes, como dissemos, pode-se divisar um episódio tóxico endógeno ou exógeno, um processo ansioso, um acometimento infeccioso, um trauma emocional.

É no estudo do onirismo e dos estados oniroides — assim como dos remanescentes pós-oníricos das intoxicações agudas — que se deveria, ao que nos parece, procurar as bases de um mecanismo coerente das eclosões delirantes.

Quanto ao valor do próprio delírio, acaso ele representa uma dessas funções inferiores do psiquismo que a liberação do controle e das inibições superiores revela? — concepção cujo esquema, emprestado da neurologia, é tentador devido à simplicidade. Será que se pode aproximá-lo de certas formas do pensamento primitivo, conforme as concepções filogênicas de Tanzi[34] e dos italianos? Esse é um domínio no qual nada vem testar a hipótese.

Os delírios passionais, ao contrário, surgem num terreno de hereditariedade neuropática particular. Eles entram nos enquadramentos da impulsividade mórbida e na concepção mais ou menos renovada da degenerescência. Neles os estigmas somáticos, ao que parece, são muito mais frequentes.

A dificuldade da terapêutica é bastante frisada pelo caráter essencialmente crônico que se conjumina com a própria descrição desses delírios.

Os técnicos do inconsciente confessam, no limite da paranoia, a sua impotência — se não em explicar, ao menos em curar.

Parece, segundo os estudos recentes dos americanos, que uma profilaxia útil poderia ser proveitosamente exercida na infância por educadores advertidos.


[1] Psiquiatra alemão, Emil Kraepelin [1856-1926] foi discípulo de Wilhelm Wundt [1832-1920]. Em 1878, concluiu seu curso de medicina com uma tese sobre o lugar da psicologia na psiquiatria. Empregou as técnicas experimentais de Wundt para estudar os efeitos da droga, do álcool e da fadiga nas funções psicológicas e, em 1881, publicou um estudo sobre a influência das doenças infeciosas no surgimento de doenças mentais. Em seu Compendium der Psychiatrie (1883), apresentou sua classificação nosológica das perturbações mentais. Fez uma divisão entre doenças exógenas (causadas por condições externas e consideradas curáveis) e endógenas (que tinham causas biológicas, tais como danos cerebrais, disfunções metabólicas ou fatores hereditários, vistas como incuráveis). Para ele, a psicose maníaco-depressiva e a melancolia eram consideradas doenças exógenas — e, portanto, tratáveis — enquanto a esquizofrenia seria endógena — logo, intratável. Distinguiu pelo menos três variedades clínicas da esquizofrenia: catatonia (perturbação das atividades motoras), hebefrenia (reações/comportamentos emocionais inapropriados) e paranoia (alucinações e ilusões de grandeza e perseguição). (N. do T.)
[2] Dentre eles, provavelmente: Eugenio Tanzi [1856-1934], Gaetano Riva [1845-1931], Enrico Morselli [1852-1929], Giuseppe Amadei [1854-1919], Augusto Tamburini [1848-1919], Silvio Tonnini [18??-19??] e Sante De Sanctis [1862-1935]. (N. do T.)
[3] Paul Sérieux [1864-1947] foi interno da rede manicomial do Sena entre 1887 e 1890. Aluno de Valentin Magnan [1835-1916], foi nomeado médico adjunto, em 1890, trabalhando em Vaucluse e, posteriormente, em Villejuif. Em 1897, substitui Paul Maurice Legrain [1860-1939] em Ville-Évrard, onde ocupará o cargo de titular. Na Maison-Blanche, entre 1908 e 1921, organiza e dirige a nova seção reservada aos epilépticos. Foi um dos primeiros alienistas franceses a conhecer e divulgar os conceitos nosológicos de Kraepelin. Leva seu nome uma forma de delírio chamada “delírio de interpretação de Sérieux et Capgras”, que foi descrita em colaboração com Joseph Capgras [1873-1950]. (N. do T.)
[4] Jean-Marie Joseph Capgras [1873-1950] foi um psiquiatra francês. Realizou sua formação em medicina em Toulouse, começando o externato em 1894 e o internato no final do ano seguinte. Dois anos depois trabalharia como interno na rede manicomial do Sena. Entre 1899 e 1903, trabalhou como interno em Ville-Évrard, com Marandon de Montyel [1851-1908] e Paul Sérieux [1864-1947]; e em Sainte-Anne, com Alix Joffroy [1844-1908]. Doutorando-se em 1900, torna-se médico adjunto da rede manicomial pública em 1902. Torna-se médico-chefe da segunda seção da Maison-Blanche, em 1912. Ficou conhecido por sua publicação — em colaboração com Sérieux — da obra Les Folies raisonnantes: le délire d’interprétation. Paris: Félix Alcan, 1909. Disponível em: <archive.org/details/BIUSante_61092>. (N. do T.)
[5]
Termo introduzido em 1886 por Paul Maurice Legrain [1860-1939] e promovido por Valentin Magnan [1835-1916], a “baforada”, “lufada” ou “rajada delirante” [bouffée delirante] consiste numa condição psicótica aguda e transitória associada com turvação da consciência, excitação psicomotora e comportamento agitado, seguida de amnésia anterógrada. (N. do T.)
[6] H. Claude, “Les psicoses paranoïdes”, L’Encéphale, 20, n. 3, março de 1925.
[7] Essa noção, introduzida em biologia por von Uexküll, tem sido utilizada desde então por vários autores. Citemos, para a psiquiatria, Kretschmer; nos Estados-Unidos, A. Myers.
[8] Cumpre notar que, na década de 1930, o zoólogo austríaco Konrad Zacharias Lorenz [1903-1989]  — Nobel de Medicina (1973) que é considerado o pai da etologia moderna — detalhará, a partir de seus estudos com aves, aquilo que ficará conhecido como Prägung [imprinting, estampagem, impregnação]: um tipo particular de aprendizagem por exposição. Cf.  “Konrad Lorenz – Science of Animal Behavior”, 1975. Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=IysBMqaSAC8> (N. do T.)
[9] Processo patológico que resulta no desenvolvimento de um neoplasma; neoformação. (N. do T.)
[10] Distúrbio da função reprodutora. (N. do T.)
[11] Marcel André Montassut [1897-1975], psiquiatra francês, trabalhou em Moiselles e em Villejuif — onde foi médico-chefe e passou a maior parte da carreira. Assumiu a presidência da Sociedade Francesa de Psicossomática em 1960. Muito próximo do famigerado psiquiatra Leon Chertok [1911-1991], com quem colaborou, Montassut publicaria diversos artigos sobre depressão, epilepsia, fadiga e psicossomática. (N. do T.)
[12] O Sr. Lévy-Valensi, em contrapartida, retrata essa mesma atitude orgulhosa do paranoico em relação à concepção metapsicológica extremamente vasta que o Sr. Jules de Gaultier situou sob o símbolo do bovarismo.
[13] A introdução do livro de P. Sérieux e J. Capgras (1909) encontra-se traduzida como: “As ‘loucuras raciocinantes’: o delírio de interpretação”, Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, vol. X, n. 2, pp. 340-345. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/rlpf/v10n2/1415-4714-rlpf-10-2-0340.pdf>. (N. do T.)
[14] Do inglês, “fora-da-lei”. (N. do T.)
[15] Tese de M. Montassut, La constitution paranoïque. Paris, 1925.
[16] Do alemão, “diagnóstico sensorial”. (N. do T.)
[17] Maurice Dide [1873-1944] foi um médico neurologista e alienista francês, professor da Universidade de Toulouse e diretor do manicômio de Braqueville. Foi o inventor da categoria nosográfica do “idealismo apaixonado”, uma das formas — entre os delírios passionais — do delírio de reivindicação característico de certas personalidades paranoicas (cf. Les idéalistes passionnés. Paris: Alcan, 1913). Antifascista, foi enviado ao campo de concentração de Buchenwald em janeiro de 1944; em março do mesmo ano, contestando a proibição impingida aos prisioneiros médicos de prestarem socorros aos detentos doentes, Dide é atacado por cães de guarda da SS ao tratar cuidar de um deportado — ataque em decorrência do qual vem a falecer. (N. do T.)
[18] G. Génil-Perrin, Les paranoïaques. Paris: Maloine, 1926.
[19] Gabriel-René Dromard [1874-1918] foi médico adjunto da rede manicomial pública, membro da Academia de Medicina, da Sociedade Médico-Psicológica e da Sociedade de Medicina Legal da França. Dedicou-se ao estudo do alcoolismo, da estereotipia, da amnésia, entre outros. (N. do T.)
[20] Trata-se de uma sequência de artigos escritos por Dromard e publicados no referido periódico entre os anos de 1910 e 1911: “L’interprétation délirante. Essai de psychologie” (1910, pp. 332-366); “Le délire d’interprétation. Essai de psychologie” (1911, pp. 289-303) e “Le délire d’interprétation. Essai de psychologie”, (1911, pp. 406-416). (N. do T.)
[21] Designação genérica para as impressões sensoriais internas do organismo, que formam a base das sensações,  por oposição às impressões do mundo externo percebidas por meio dos órgãos dos sentidos. (N. do T.)
[22] Essa imagem foi emprestada do ensino verbal de nosso mestre Sr. G. de Clérambault, ao qual tanto devemos, em matéria e em método, que seria preciso — para não correr o risco de ser plagiário — prestar-lhe homenagem por cada um de nossos termos.
[23] Gaëtan Gatian de Clérambault [1872-1934] é considerado, por muitos, o último e mais brilhante dos clássicos. Obteve, em 1905, o cargo de médico adjunto da Enfermaria Especial do Comando de Polícia, onde já era interno de Paul-Émile Garnier [1848-1905]. Com a morte de Ernest Dupré [1862-1921], que havia sido seu professor, torna-se médico-chefe da instituição. Lacan o considerava seu “único mestre em psiquiatria” (cf. C. M. Ramos Ferreira; J. Santiago [2014] Apresentação de pacientes: Clérambault, mestre de Lacan. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, vol. 17, n. 2. São Paulo, junho de 2014. Disponível em: <dx.doi.org/10.1590/1984-0381v17n2a05>). Ademais, cumpre notar que Clérambault entendeu o presente artigo como sendo uma divulgação não autorizada das suas próprias ideias a respeito da paranoia, de modo que Lacan suprimirá o texto quando da reedição de sua tese de doutorado, onde figurarão outros de seus “Primeiros escritos sobre a paranoia”. (N. do T.)
[24] Henri Charles Jules Claude [1869-1945] foi discípulo do patologista francês Charles Bouchard [1837-1915] — este, por sua vez, discípulo de Jean Martin Charcot [1825-1893] — e assistente do neurologista Fulgence Raymond [1844-1910], na Salpêtrière. Entre os anos de 1922 e 1939, ocuparia a cátedra da clínica de doenças mentais do Hospital Sainte-Anne, em Paris, cumprindo um papel importante na introdução das teorias de Freud na França. A criação do primeiro laboratório de psicoterapia e psicanálise da Faculdade de Medicina de Paris deve-se ao seu trabalho. Entre seus alunos estiveram Jacques Lacan [1901-1981] e Henri Ey [1900-1977], que foi seu assistente. Membro titular da Academia Nacional de Medicina a partir de 1927, foi também membro da Legião de Honra. Debruçando-se sobretudo sobre a esquizofrenia, é a ele que se deve a cunhagem do termo “esquizose”. (N. do T.)
[25] L. Lévy-Valensi, Rapport au Congrès de Médecine Légale, 1931 [“Les crimes passionels (L’homicide passionel)”. In: Annales de médecine légale, de criminologie et de police scientifique: organe des congrès de médecine légale de langue française. Paris: J.-B. Baillière et fils, 1931, pp. 193-284. Disponível em: <gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1225527> (N. do T.)].
[26] Cenestopatia (perturbação da cenestesia) é a alteração local da sensibilidade comum na esfera da sensação geral; a sensação geral de estar doente. (N. do T.)
[27] Aquele que sofre de delírio de interpretação. (N. do T.)
[28] XVI Congresso de Medicina Legal de Língua Francesa, realizado em Paris nos dias 4, 5 e 6 de maio de 1931. Cf. Société Française de Médecine Legale, Annales de médecine légale, de criminologie et de police scientifique: organe des congrès de médecine légale de langue française. Paris: J.-B. Baillière et fils, 1931. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1225527>. (N. do T.)
[29] Tese de S. Eliascheff. Paris, 1928. [Tese realizada sob orientação de P. Sérieux e intitulada: Des écrits dans le délire d’interprétation. Gisors: Benard Bardel, 1928. (N. do T.)].
[30] Cf. H. Claude (1930) “Mécanisme des hallucinations: syndrome d’action extérieure”, L’Encéphale, 25, n. 5, pp. 345-359. (N. do T.)
[31] Termo criado por Emil Kraepelin [1856-1926], designa determinadas psicoses crônicas de evolução disruptiva e desfavorável, tais como a paranoia e a demência precoce. Cf. N. Borja Santos, “O conceito de parafrenia e a sua actualidade”, Psilogos, vol. 4, n. 1-2, 2007. Disponível em: <revistas.rcaap.pt/psilogos/article/view/6031>. (N. do T.)
[32] Tese de R. Valence , Contribution à l’étude des états interprétatifs. Paris, 1927 [Contribution à l’étude des états interprétatifs (en dehors du délire d’interprétation). Bordeaux: J. Biere. (N. do T.)]
[33] Trata-se, ao que tudo indica, de Charles Lewis Allen [1860-1946], um dos pioneiros da psiquiatria nos Estados Unidos. Allen fez uma primeira graduação em química, na Universidade de Virginia, graduando-se também em medicina, posteriormente, na Universidade de Maryland. Na Europa, onde continuou sua formação, teve a oportunidade de estudar em Viena, Berlim e Paris — onde foi influenciado pelo trabalho de Jean-Martin Charcot [1825-1893]. Sobre medicina de família e detecção precoce, cf. Ch. L. Allen (1908) “The early symptoms of dementia precox”, California State Journal of Medicine, 6(6), jun/1908, pp. 198-200. Disponível em: <www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1652474/?page=1>. (N. do T.)
[34] Eugenio Tanzi [1856-1934] foi um psiquiatra italiano. Trabalhou no manicômio de San Lazzaro, no serviço de Augusto Tamburini [1848-1919], onde colaborou com Gabriele Buccola [1854-1885]. Convencido de que a psiquiatria deveria ter bases estritamente biológicas, propunha que estímulos externos poderiam oferecer modificações reais aos tecidos cerebrais. Pensava que o sistema nervoso fosse constituído por um conjunto de neurônios separados por distâncias mínimas;  e que as “ondas neurais”, atravessando o sistema, estimulariam o crescimento de outros neurônios, facilitando a passagem dos estímulos — poucos anos depois, em 1897, o fisiologista inglês Charles Scott Sherrington [1857-1952] cunharia o termo “sinapse”. Com Tamburini e Enrico Morselli [1852-1929], fundou em 1896 a Rivista di patologia nervosa e mentale [Revista de patologia nervosa e mental]; e em 1907, foi um dos responsáveis pela fundação da Sociedade Italiana de Neurologia, da qual seria secretário e vice-presidente. (N. do T.)

Arquivado em:Comunicação-artigo

Sobre o Autor

Escrito por

Linguista e tradutor, exerce a psicanálise na cidade de São Paulo. Bacharel e doutor em linguística pelo IEL-Unicamp, realizou pós-doutoramento no Depto. de Ciência da Literatura da UFRJ. Atuou como professor-associado junto ao Depto. de Língua Romena e Linguística Geral da Universidade Alexandru Ioan Cuza (Iaşi, 2009) e foi tradutor residente do Instituto Cultural Romeno (Bucareste, 2013). Organiza a coletânea “A psicanálise e os lestes” (Ed. Annablume) e é um dos editores da Revista Lacuna (www.revistalacuna.com).