06.08.1929 | Carta a Ferdinand Alquié [Πάντα ῥεῖ – Hiatus Irrationalis]

Lettre à Ferdinand Alquié du 6 août 1929 ]

Inédito.

Tradução feita com base na transcrição da versão abaixo, manuscrita, endereçada a Ferdinand Alquié. Este poema foi publicado numa versão diferente em Phare de Neuilly, 1933, n. 3-4. Nos primeiros números dessa revista encontram-se fotos de Braissaï [1899-1984] e Man Ray [1890-1976], bem como uma poesia de James Joyce [1882-1941]. No número 3-4, ao lado de Jacques Lacan estavam Hans Arp [1886-1966] Yvan Goll [1891-1950], Miguel Asturias [1899-1974] e Raymond Queneau [1903-1976]). Ele também foi publicado em Magazine Littéraire, 1977, n. 121, numa versão um pouco diferente.

Πάντα ῥεῖ[1]

Coisas, carreguem suor ou seiva no seu veio,
Formas, tenham da forja ou do sangue vindo,
Vossa torrente bate não meu devaneio,[2]
Não cessando o desejo, as vou perseguindo,

Atravesso voss’água, despenco no esteio
Vai o peso do demo pensante gerindo;[3]
Só, cai no duro chão que tem do ser o enleio,
O cego e surdo mal, o deus de senso findo.[4]

Mas, se todos os verbos na goela definham,
Coisas, vindo [5] do sangue ou da forja tenham,
Natureza — no fluxo elemental vou indo:

O que adormece em mim, vos edifica em cheio,
Formas, carreguem suor ou seiva no seu veio,
Vosso imortal amante, no fogo é que deslindo.

                  Melancholiae Tibi Bellae.[6] Hardelot,[7] 6 de agosto de 29

Jacques Lacan[8]


[1] O título deste poema em Le Phare de Neuilly e noutras publicações é “Hiatus irrationnalis”. (N. de E.)
[2] Em Le Phare de Neuilly, em vez da vírgula há um ponto e vírgula. (N. de E.)
[3] Em Le Phare de Neuilly,  em vez do ponto e vírgula há um ponto. (N. de E.)
[4] Esse verso foi omitido na versão Magazine Littéraire, não resultando mais num soneto. Em Le Phare de Neuilly, o artigo foi substituído as duas vezes por “no”. (N. de E.)
[5] As versões Le Phare de Neuilly e Magazine Littéraire indicam “nascido” em vez de “vindo”. (N. de E.)
[6]  Do latim: “Que as melancolias te sejam belas”. (N. do T.)
[7]  Trata-se de Hardelot-Plage, um balneário francês situado na comuna de Neufchâtel-Hardelot, no departamento de Pas-de-Calais. (N. do T.)
[8] Apenas a versão manuscrita a F. Alquié traz essa menção. As outras indicam “H.P., agosto de 1929, Jacques Lacan”. (N. de E.)

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Número 3-4 da Revista Le Phare de Neuilly, onde o poema seria posteriormente publicado

Arquivado em:carta

Sobre o Autor

Escrito por

Linguista e tradutor, exerce a psicanálise na cidade de São Paulo. Bacharel e doutor em linguística pelo IEL-Unicamp, realizou pós-doutoramento no Depto. de Ciência da Literatura da UFRJ. Atuou como professor-associado junto ao Depto. de Língua Romena e Linguística Geral da Universidade Alexandru Ioan Cuza (Iaşi, 2009) e foi tradutor residente do Instituto Cultural Romeno (Bucareste, 2013). Organiza a coletânea “A psicanálise e os lestes” (Ed. Annablume) e é um dos editores da Revista Lacuna (www.revistalacuna.com).

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